No coração da cidade sofisticada subiu num ônibus kitsch junto com os jovens. O ônibus, linha normal de número 109, abarrotou-se e as luzes do placar colorido anunciando aforismos de um tal de Lewinsky iluminavam as tranças dos rastas. A cada parada, mais jovens, sobre os quais uma luz azul suave baixava e as cortinas cobriam o vidro fumé separando os passageiros da realidade lá fora. A multidão de jovens rebeldes esperava calmamente o fim da viagem com uma certa expectativa.
Junto com eles desceu quadras antes onde a polícia montara seu esquema de segurança fechando ruas com carros, sirenes coloridas e proibição de bebidas alcoólicas. Os rebeldes, todos iguais, que iam ver o Artista cantar sobre os males do mundo foram regimentados como prisioneiros em um campo de concentração. Assim, regimentados, separados, revisados e manuseados entraram no show anti-establishment.
O show começou como esperado e o Artista, um homem mais para a idade dele do que deles teve que se fazer gigante para abraçar um público de milhares, para poder fazer-se íntimo de todas essas pessoas e ter algum impacto, tarefa difícil numa situação normal, mas que aqui ocorreu sem maiores problemas já que maioria vinha com seus corações abertos, dispostos a serem entretidos, surpresos e preparados para obedecer qualquer comando que viesse deste homem ou qualquer outro que recebesse seu aval. No caso, um baixista que mais parecia um sargento e que urgia a multidão a pular a um ritmo punk e gritar "iô, iô, iô" de quando em quando. Sentia que era quase necessário tomar parte em certa adulação para poder apreciar o Artista, fingir que era ele seu maior ídolo, seu grande herói, para poder sair satisfeito esta noite.
Escutando as músicas, que conhecia e que o trouxeram àquele lugar, relembrou o cerco policial que se estendia por algumas dezenas de metros ao redor do estádio, e se perguntou se eram as autoridades que confundiam esta multidão com hooligans futebolistas ou então com reencarnados guerrilheiros dos anos 70 - ou seriam eles, os jovens rebeldes iguais, que não conheciam sua aterradora força latente e será que os que pulavam pensavam que referências ao 'boliviano' poderiam significar mais que a qualidade do pó?
No final da noite, o taxista era socialista.
Julia, 11/2009, Buenos Aires