domingo, 7 de fevereiro de 2010

Bolívia, Puerto Quijarro


Puerto Quijarro, Bolívia, Jan 2010

Saí de São Paulo em um ônibus convencional da companhia Andorinha, decerto o ônibus mais barato que a companhia ainda guarda, usado especialmente para encher de Bolivianos retornando ao seu país. Não há outro serviço que o convencional ligando São Paulo à Corumbá e este ônibus das 11 da manhã, cujo ponto final na realidade fica do outro lado da fronteira em Puerto Quijarro, estava repleto de bolivianos. Quase não se escutava o português entre os passageiros. Período de férias de verão, que também explica a prominência dos bolivianos que estavam indo para ou voltando de seu país de residência.

Puerto Quijarro é uma cidade fronteiriça e, vindo aqui fica mais difícil ainda querer insistir em minha teoria de fronteiras líquidas, em que as populações fronteiriças se mesclam para formar algo um pouco mais homogéneo. Aqui se vê a força do poder estatal em manter (ou ao contrário, não manter) o que é seu, seu. A pobreza contida dentro desta fronteira se difere do maior progresso do lado brasileiro. Corumbá não é a mais avançada das cidades brasileiras, mas é muito mais organizada, séria (palavra tucana) e bonita do que sua irmã gêmea, Puerto Quijarro. Não sei até que ponto há brasileiros morando deste lado da fronteira, já que o povo a pé é majoritariamente de origem indígena. Dos pick-ups que competem com os taxis caindo aos pedaços nas ruas da cidade, quantos são propriedades de brasileiros ou de bolivianos não sei. Já do outro lado, sei que há uma considerável população de bolivianos que trabalham e têm comércios.

Em Puerto Quijarro, fora os pôsters de Evo Morales e pichamentos políticos que anunciam que as eleições foram a pouco, o estado aqui parece não existente. Muita pobreza e lixo nas ruas, onde só a rua principal, que leva da fronteira à estação de trem, é pavimentada. Isso não impede que os brasileiros não sejam cúmplices desta situação. É possível entrar na Bolívia passando pela posto de imigração e não ser parado. A receita federal tampouco está interessada em saber o que está nas bagagens das pessoas - não fazem nem uma escolha aleatória. Simplesmente sobem no ônibus e perguntam "alguém de vocês fez compras em algum lugar" cuja resposta óbvia é "não tudo que levamos é nosso". Um boliviano de Cochabamba, me contou que uma vez nos anos 80 ele veio até Corumbá comprar um Pick Up roubado. Disse que pagou pelo Pick Up, na época com 3-4 anos de uso, uns U$1500! Fico pensando que isso nem para o ladrão de carros deveria valer a pena. Mas aparentemente as coisas estão melhores. Comprar carros em Corumbá e trazê-los para a Bolívia já não é tão fácil e nem bom negócio.

O pantanal, no entanto, é o mesmo. Lindo dos dois lados, só que é mais fácil conseguir visitar o lado brasileiro que além de mais regulamentado – a pesca, por exemplo é proibida e que me disseram não acontece fora de época – é mais organizado. Para aqueles que querem desrespeitar as leis ambientais é só cruzar a fronteira. No entanto, dizem que o lado boliviano é muito mais preservado, provavelmente porque com a pobreza, não muito ainda foi explorado. De qualquer maneira, os brasileiros atravessam a fronteira para vir comer jacaré à beira da lagoa em Puerto Suárez e os bolivianos que não podem ou não querem atravessar para o lado Brasileiro podem pedir uma feijoada aos sábados aqui. A televisão é Globo e também boliviana, (a recepção da Globo é melhor) e a música é uma mistura. Se ouve desde sertanejo brasileiro até mariachis mexicanos e tudo o que tiver situado entre estes dois extremos da América Latina. Se há internet e casas de telefone por todas as partes, o jornal, que vem de Sta. Cruz, só chega no dia seguinte. Há também várias agências da AeroSur, com o aeroporto em Puerto Suárez. Me parece que a maioria dos abastados, quando não estão em seus pick-ups, viajam de jetinhos, assim evitando longas viagens em estradas em má condições e terrenos difíceis.

Estamos no extremo do departamento de Sta. Cruz, onde há grande resistência contra as políticas e a pessoa de Evo Morales. Tanto os mais ricos como os mais pobres parecem falar mal dele aqui. Dizem principalmente que ele quer implantar o sistema comunista de Fidel Castro e que as coisas já começam a faltar. Também dizem que ele governa o país como se governasse um sindicato.

O que se percebe também é que há uma grande divisão da sociedade entre índios e não índios, ou melhor, politicamente entre índios do altiplano e o resto da população. Os brancos bolivianos pensam contar com o apoio dos índios guaranis e outros que vivem nas partes baixas do país, a chamada lua crescente que vai do departamento de Tajira até Pando e que ocupa quase dois terços do território Boliviano, mas que entretanto continua sendo menos populoso e agora, economicamente mais rico. De qualquer maneira, um país dividido.

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