domingo, 7 de fevereiro de 2010

Trem da Morte


Santa Cruz, fevereiro 2010


Domingo a noite tomei o “Trem da Morte” saindo de Puerto Quijarro em direção à Santa Cruz. O “Superpullman de domingo a noite”, dizia a propaganda, contava com ar condicionado, TV, bar-restaurante, serviço de bordo e cadeiras reclináveis. E realmente não decepcionou quanto à disponibilidade desses serviços. A TV, não tinha como esquecê-la. Assim que entramos, ela foi ligada quase que ao máximo volume com vídeos musicais latino-americanos. Grande foi minha felicidade quando o trem começou a andar ao passo de uma Cumbia antiga. Me parecia a música perfeita para acompanhar uma viagem de trem – não sei se por causa do ritmo em si, ou uma associação que fiz deste estilo musical com uma propaganda de café colombiano que mostrava um maria-fumaça serpenteando encostas cobertas em cafezais. O “Trem da Morte” nos chaqualhou ao ritmo de Cumbia por uns poucos kms até a cidade vizinha de Puerto Suárez, quando minha alegria subitamente desapareceu. Fora a entrada de mais passageiros e uma grande quantidade de mosquitos (já eram seis horas da tarde), a música foi repentinamente trocada. De cumbia passamos a escutar melosas baladas mexicanas com seus acompanhantes vídeos. Neles, o “Galã-Cantor”, quase sempre vestido em trajes mexicanos e não poucas vezes montado a cavalo, chorava por uma mulher que não o queria ou que tinha morrido, quando ele mesmo não morria deixando sua amada aos prantos. Isso durou mais ou menos uma hora até que para acompanhar o “jantar” foram apresentados os filmes da noite: três. Todos nos engraciando com a presença das forças (ou um super-soldado ou boxeador) americano/as que nos/se salvavam do mal – seus inimigos inevitavelmente eram os russos ou terroristas asiáticos.

Finalmente a alguma hora da noite veio o silêncio e o apague das luzes, nos deixando as sós com os movimentos abruptos mas constantes do trem e o eficientíssimo ar-condicionado. A maioria dos passageiros, parece, já estavam acostumados com o ritual da viagem. Haviam trazido seus cobertores e nem piscaram os olhos quando o serviço de bordo entrou na cabine oferecendo jantar, preferindo esperar a parada numa pequena estação em que os habitantes entravam a bordo oferecendo “majaditos” (um prato arroz com carne, uma verdura e algum outro vegetal como banana da terra ou mandioca) provavelmente de uma qualidade e preço muito melhor que a comida oferecida no trem.

Quanto ao porque de um trem que atravessa uma planície inócua se chamar “Trem da Morte”? Várias foram as respostas que recebi, nenhuma delas diretamente ligadas à morte. A primeira tem a ver com o tempo da viagem e as multíssimas paradas – a morte neste caso seria de tédio. Mas ultimamente, com o Orientexpreso Superpullman e o Ferrobus cama e semi-cama, esta explicação já não vem ao caso. Outra razão seria a falta de conforto dos antigos trens, com bancos de madeiras, grande quantidade de gente e falta de ar condicionado. Neste caso, se o trem chaqualhava tanto como os de hoje e tivéssemos que sentar em bancos de madeiras não acolchoados, a morte seria da bunda e da espinha dorsal. A terceira hipótese teria que ver com o fato do trem era utilizado para contrabando, principalmente de carros. Em que maneira isso se relaciona com a morte, não entendi muito bem. Algo a ver com parar no meio do caminho e receber ou deixar carros em algum lugar. Acho que é hora deste nome mudar já que parece assustar um bom número de brasileiros.

Mas assustada mesmo estou eu. Vou pegar o ónibus leito esta noite em direção à Cochabamba sabendo que no mês de janeiro já morreram 72 pessoas nas estradas bolivianas - em cinco acidentes de ónibus. Dois acidentes recentes foram a caída de um ônibus nos precipícios entre Cochabamba e La Paz envolvendo um motorista que estava dirigindo bêbado e aparentemente ignorou os pedidos de passageiros para que parasse ou dirigisse mais devagar e o outro em que dois ônibus se chocaram. Uma das companhias envolvidas, a Cosmos, que não é uma das menores, se encontra agora fechada. Dizem que as companhias mais caras são mais bem regularizadas, mas acho que esta Cosmos era uma delas e também dizem que os leitos, além de serem mais confortáveis, são mais seguros. Será que tomam mais cuidado com passageiros mais caros/ricos? Os motoristas utilizados são mais experientes ou dirigem melhor? Ou será essa só uma maneira que os bolivianos classe-média encontraram para se sentirem mais seguros? De qualquer maneira, esta série de horrendos acidentes tem provocado a reação da sociedade e do governo que se dispôs a tornar as leis mais rígidas e monitorar melhor ônibus, empresas, condíções de trabalho e as carteiras de habilitação dos motoristas. Infelizmente também me instigou a pegar um leito em vez de um convencional (não quero por em dúvida o bom senso da classe média boliviana!), assim perdendo o que deveria ser um dos mais lindos e interessantes trechos de minha viagem, saindo da quente e tropical Santa Cruz, subindo as encostas amazónicas do Chapare (mais importante zona cocaleira boliviana) para atingir os vales "primaveris" de Cochabamba.

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