quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

José Luís

José Luís tem 26 anos, dono de uma risada gostosa, é aberto, talentoso e inteligente. Faz cinco anos que trabalha de guia no parque nacional de Carrasco. É membro de uma associação comunitária e, junto com outros jovens, recebe um salário e divide o lucro com o restante de sua comunidade - onde a maioria vive da coca, diz sarcasticamente: “Nem se importam com o que a gente faz, mas fazemos de qualquer jeito”. Não tem nenhum problema em contar sua história, suas visões, e ri cinicamente quando fala do peso que a coca tem em sua vida pessoal e de sua comunidade.

José Luís nasceu na região de Sucre e sua língua materna – literalmente - é o quéchua que utiliza para comunicar-se com a mãe. Estavam para comprar uma casa, quando o pai foi atraído pelo boom da coca nos anos 80. Se instalaram em Chapare, como muitas outras famílias do altiplano, buscando um futuro melhor. A ideia era fazer mais dinheiro para poder voltar para Sucre e viver bem na casa sonhada. Seu pai virou cultivador de coca, também fabricante e vendedor de pasta de cocaína. Três anos mais tarde, morreu deixando a esposa com quatro filhos para criar. José Luís estava com 6 anos, seu irmão menor, bebê. Diz que se lembra do pai. Sua mãe teve grave problemas para se adaptar, acostumada com o altiplano, aquela selva húmida e quente lhe fazia mal a saúde. Também pegou dengue hemorrágica que a pôs à beira da morte – ele e seus irmãos tiveram que passar algum tempo morando em um orfanato. José Luís sobreviveu, concluiu a escola, começou a estudar música. Mas sua mãe ficou doente de novo. Teve que deixar o colégio para ajudá-la. Já não fez mais música - nem coisa nenhuma. Quando a mãe melhorou, pegou o violão, que carrega sempre consigo, e saiu de viagem. Da Bolívia entrou no Brasil por Guayamerín e foi de Boa Vista até o mar. Seguiu todo o rio Amazonas, passou por Manaus, Alter do Chão até chegar em Belém. “Aqui a gente come peixe, no Brasil, se come muita carne...no barco, nos serviam carne”. Voltou. Passou um tempo trabalhando em Santa Cruz como pintor. “Não pintor de paredes, mas de quadros, de murais”. Fazia dinheiro decorando as paredes de restaurantes e clubes, aprendeu na escola a desenhar mas nunca seguiu estudando arte, seu modelo de perfeição é a semelhança à realidade, está perto, mas nem tanto, diz. Voltou para viver com a mãe no Chapare, não gosta de Santa Cruz que “parece uma cidade brasileira, não é?”

Foram as ONGs que trouxeram um futuro diferente a sua comunidade. José Luís tem uma visão ambivalente, sabe que elas ainda são necessárias, ajudam com os projetos. No momento, sua associação está projetando um restaurante e alojamento para turistas no parque e também um sistema de luz elétrica para a comunidade - até agora não tem. “Estamos a 800m da rede, mas a prefeitura não vem”. Fizeram um projeto para uma mini-estação: “vamos conseguir financiamento através das ONGs, e também, já podemos entrar com a contrapartida”, dinheiro que arrecadam através do projeto de guias no parque. Das ONGs reclama que ensinam a plantar, mas não ensinam a vender. “As ONGs trabalham com as comunidades, ajudam a fazer projetos, a conseguir fundos, mas não nos fazem independentes”. Fazem outros projetos também, ensinam a plantar orgânico, laranjas...plantar palmito em vez de coca. “Mas entre palmito e coca, a coca dá mais dinheiro...e menos trabalho”. O pessoal é acomodado mesmo, diz, não pensam em ganhar mais. “A coca dá o suficiente, se gasta o excedente em festas e coisas assim”. José Luís também não está seguro que as políticas de Evo Morales em relação à coca estão certas. “Cada família pode plantar uma quantia legalmente, mais que isso não pode. Evo também está implementando uma fábrica para beneficiar a coca, fazer produtos, doces, licores, etc.” Diz que as pessoas continuam a fazer pasta para vender, para produção de cocaína. “Aqui no Chapare a coca vai para fora. É para fazer cocaína. A coca que se masca na Bolívia vem das Yungas de La Paz. Essa é uma coca diferente, mais doce, menos potente. O pessoal pensa que somos todos drogados, mas aqui, somente 1-2% da população usa cocaína, mais é a bebida.” Uma vez no parque, nos mostra algumas plantações em meio a selva. Também mostra trecho de floresta secundária, onde a floresta tomou o lugar da coca. “Havia mais coca aqui nos anos 80, 90.”

No futuro, José Luís quer fazer outra coisa, já vai cinco anos trabalhando de guia. Gosta, mas quer mais para si mesmo, reclama que não dá para casar, todos seus colegas são solteiros. Acha que tem que se justificar: “sempre vou trabalhar com a comunidade, mas quero algo para mim, não muito.” Tem planos: primeiro, vai abrir um serpentário. Já tem várias cobras, uma jibóia, também corais, algumas venenosas. "Algumas já fugiram...mas é só saber cuidar", diz. Ele conta que o serpentário, além de dar dinheiro, é para conscientizar a comunidade, para que eles parem de matar as cobras. Pensou em fazer o serpentário lá no orfanato. “Para ajudar as crianças...Mas é muito longe, lá não dá dinheiro.” Então vai alugar um lugar em Villa Tunari mesmo, é mais provável que as pessoas venham. Mais tarde, quando seu irmão acabar os estudos, vão fazer um negócio juntos. Seu irmão mais novo que estuda em Cochabamba é como se fosse seu filho, diz. Os mais velhos saíram de casa, quase nem os vê. “Lá em Cochabamba tem um lago...ninguém usa para nada”. Estão pensando, ele e o irmão, em contatar a prefeitura, em ver se dá para pôr uns pedalinhos... “Seria um bom negócio.” Seu irmão vai ficar em Cochabamba, gosta mais de lá. Mas ele não, prefere ficar aqui mesmo, perto da natureza.

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