Quando cheguei, já vinha com uma idéia feita do que seria Santa Cruz: uma cidade moderna, brasileira e branca, impulsionada economicamente pela soja e pelo gás (o gás na verdade está quase todo concentrado no departamento de Tarija e não em Santa Cruz). Não tinha nem vontade de conhecer. As coisas que tinha lido até chegar só reforçavam esta idéia: os conflitos entre as terras baixas de Santa Cruz, Beni e Pando pedindo autonomia política da “república índia” de Evo Morales, os problemas do governo boliviano com os fazendeiros brasileiros da fronteira e a nacionalização do gás.
Encontrei uma cidade gostosa, de clima agradável e vegetação verde tropical. Santa Cruz tem sua parte moderna: um pouco afastados do centro, entre os “anéis” (vias que circundam a cidade) 2 e 3, estão os bairros mais nobres e os business centers, shopping centers, restaurantes e night-clubs da cidade, mais particularmente, num bairro de nome intragável - Equipetrol . Mesmo assim, não há muitos prédios altos. O velho centro é tipicamente colonial, com as colunadas dos casarões antigos sombreando as calçadas e as ruas centrais formando o típico tabuleiro de damas das cidades hispânicas e, apesar dos seus mais de 1,5 milhões de habitantes, Santa Cruz tem ares de cidade pequena onde a população se encontra na linda praça 24 de Setiembre, tanto de dia como de noite.
Brasileira exatamente Santa Cruz não é, mas se ouve o português nas ruas. Também tem carnaval, aparentemente parecido ao carioca. As páginas sociais dos jornais descrevem festas pré-carnavalescas que servem feijoada e nas quais as pessoas aparecem vestidas com a camiseta do grupo festivo e as beldades locais são convidadas de honra - Santa Cruz é nacionalmente famosa por suas mulheres bonitas e dizem que a cidade padece do “culto do corpo”, um traço que também chamaria de brasileiro.
Estudantes de medicina e casais braso-bolivianos constituem a população brasileira local. Infelizmente, esses estudantes, que vêm estudar nas universidades privadas bolivianas (é mais barato estudar aqui), têm a reputação de serem insulares e arrogantes com os bolivianos. Já os notórios fazendeiros, que eu imaginava andando pelas ruas da cidade com seus chapéus de cowboy, obviamente não se encontram. Outra coisa brasileira são os buffets a quilo e também pão de queijo, mas este, tipicamente cruceño, é conhecido aqui por cuñapé.
Como turista, não se pode saber ou entender muito do que acontece nos lugares. Sei que as ruas são tomadas por veículos de tracção 4 rodas, geralmente com vidros escuros (alguns podem até ser dos fazendeiros brasileiros!), um sinal de certa opulência e também da presença de um importante setor rural. Mas o que é inegável é a rapidez com que a cidade cresceu: de mais ou menos 50,000 habitantes nos anos 50, passou para 300,000 nos 70 para chegar a quase 1,7 milhão em 2009. Hoje a segunda maior cidade do país. Um quarto da população do departamento de Santa Cruz, que também cresceu em impressionantes proporções, nasceu fora do departamento e 2% no estrangeiro. Santa Cruz conta com o maior número de Paceños (habitantes de La Paz) fora de La Paz e o maior número de Cochabambinos fora de Cochabamba. A base industrial, comercial e agrícola do departamento de Santa Cruz é a maior do país, e portanto, Santa Cruz também arrecada mais impostos que qualquer outro departamento, daí o seu peso político para as demandas de autonomia e redistribuição de recursos.
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