quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

No caminho de Chapare


Primeiro ouvi falar de Chapare por um agrônomo que encontrei em Puerto Quijarro. Morava em Cochabamba, mas tinha um sítio lá, seu local favorito na Bolívia. Preferia as selvas quentes populadas pelos cultivadores de coca que a cidade com a reputação de ter o melhor clima do país. Eu não sabia bem o quê ou onde era. Imaginava um lugar bem longe, escondido no meio da selva amazônica. Ele me convidou: se estivesse em Cochabamba até o final de semana, me levaria para visitar seu sítio em Villa Tunari. Jamais ficaria até o final de semana, pensei. Com o meu roteiro apertado, minha viagem se limitaria ao vales andinos e altiplanos. Pantanais, florestas e chacos seriam para outra viagem.

Peguei o leito de Santa Cruz a Cochabamba, estimulada pela minha amiga do Couchsurfing que jurava que o leito, além de mais confortável, era mais seguro. Fiquei acordada a noite inteira. Em parte por medo, a cada curva, cada vez que o motorista ousava ultrapassar um caminhão, eu tinha uma crise de taquicardia, mas em parte também porque, mesmo no escuro, podia perceber o tipo de terreno que estávamos atravessando. Saindo da cálida Santa Cruz, em vez de ver a vegetação se esmiuçar, a vi transformando-se em selva, em Mata Atlântica. Mata Atlântica com uns rios enormes de leito de pedras que atravessávamos a cada poucos quilómetros. Vi também quando chegamos na tal Villa Tunari, da qual meu amigo tanto havia falado, a dos cocaleiros e da selva perdida. Vi emergir das planícies os primeiros morros cobertos em floresta e vi também quando estes foram se transformando em enormes montanhas e, enfim, num paredão de rocha e terra - as primeiras formações andinas. Por mais que me dissesse que não vim para ver isso, já me arrependia. Como podia subir esse muro tropical três ou quatro vezes mais alto que a descida da Serra do Mar - a porta de entrada dos Andes - no escuro? Como podia perder aquelas curvas com vistas extensas, precipícios, rios e cachoeiras, ouvindo o som e sentindo o cheiro da floresta ao meu lado? Lá no alto, Cochabamba e depois La Paz me esperavam.

Não há muito que fazer em Cochabamba. A terceira maior cidade da Bolívia é um lugar de trabalho, um ponto de encontro para os bolivianos por sua posição no centro geográfico do país, tanto em termos de distância, com também de altura (está a 2,500m). Tem um certo charme, mas nada em especial. Algumas organizações, especialmente ONGs, escolhem a cidade como sede porque é onde as pessoas de todas as regiões podem chegar (mais ou menos) facilmente. Minha parada obrigatória em Cochabamba se resumia a encontrar gente, conhecer pessoas, não lugares turísticos. Tinha meu amigo agrônomo e sua família e também dois contatos do Couchsurfing para conhecer. Um deles, me dava grande esperança, dizia em seu perfil que toda sua vida era dirigida a ajudar seu povo e seu país. Com este indivíduo ia aprender muita coisa, pensei. Telefonei. Ele aceitou me encontrar aquela noite. Assim, no dia seguinte contataria a outra Couchsurfer ou talvez meu amigo que me levaria para jantar. Cochabamba também é conhecida por ter a melhor comida de toda Bolívia (não fiquei sabendo).

Meu encontro não foi bem. Ele era interessante, trabalha como coordenador de uma ONG que fortalece grupos indígenas de etnias minoritárias. De acordo com ele, os índios do Altiplano e Valles, os Quéchuas e Aymaras, são extremamente organizados. Por sua longa história de conflitos e também por serem muitos deles oriundos de comunidades mineiras, são sindicalizados, participam em movimentos sociais e, agora com Evo Morales, do poder. O problema, disse, é que as outras etnias, a maioria localizadas nas partes baixas do país, não têm organizações fortes e não sabem como se organizar. Segundo ele, isso faz com que estas comunidades não sejam contempladas pelos programas e políticas públicas como deveriam ser num governo que se diz pluri-étnico e pluri-cultural como o de Evo Morales. Queria conversar mais com ele, saber suas opiniões, as de seus colegas, como trabalhavam, enfim, até estava disposta a passar mais dias em Cochabamba, se valesse a pena. Saímos para jantar, eu, ele e seus colegas. Só que em vez de falarem comigo, conversavam entre si num espanhol rápido e difícil. Não me envolviam e nem eu conseguia me envolver. Por mais que tentasse, não conseguia receber mais do que respostas monossilábicas, tanto dele, como de sua colega sentada a meu lado. No dia seguinte, triste e frustada, me preparei para ir embora o mais rápido possível, não queria mais saber de couchsurfers, nem ninguém. Entretanto, passeando pela última vez pela cidade, descobri uma pequena passagem colonial, bonitinha, e nela, uma organização que trabalha com turismo comunitário, entrei por curiosidade. Acabei saindo com o guia que me levaria de volta as selvas do Chapare, 2,000m mais abaixo, em direção contrária a que deveria ir. Não sei o que me decidiu, não sei se foi minha frustração da noite anterior, uma estranha atração por aquilo que conhecia e amo – as húmidas florestas tropicais – assim postergando minha entrada a uma região polvorenta, seca e desconhecida - a América andina, ou se foi o puro interesse em conhecer a região cocaleira e seus habitantes.

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